Sábado, manhã de sol, as folhas respingando o orvalho daquela noite linda, as gotas filtrando os raios de sol, lançando iridescências ao redor. Em plena praça da matriz, às sete horas da manhã, cachorrinho a tiracolo, passeava eu, achando que aquele cãozinho “pequinês”, apesar do tamanho reduzido, era a maior “mala-sem-alça” que já havia cruzado, e atravancado, o meu caminho. Pudera... minha esposa o havia ganho de sua mãe, sogra minha, como presente de aniversário (aquele aniversário que eu havia esquecido totalmente, e, quando perguntado se eu lembrava que dia era, perguntei se era o “dia do fico”).
Desconcertado, ao ser encarado com a realidade, eu quis disfarçar e comentei, com a maior “cara-de-pau” que me foi possível que aquele cãozinho teria “a cara do meu sogro”, com aquele focinho chato e sempre úmido, aqueles olhinhos cheios de remela e aquele latidinho fino e irritante. Minha sogra caiu na gargalhada aprovando, mas minha esposa ditou as regras de como o “Emílio” seria tratado, o que e quando comeria, passeios, onde dormir, tipo de casinha que eu deveria comprar para ele, etc. etc. ...
Não dava para brigar, mas eu lancei o meu protesto mais veemente, o dedo em riste, subindo e descendo, na ponta do nariz da minha esposa. Ela que arrumasse outro nome para o cachorro, mas Emílio, nunca! Aquele era o nome do meu pai e eu nunca chamaria o cãozinho por aquele nome.
Gritamos a mais não poder. Ameacei cancelar as férias da família, o que só veio piorar as coisas, pois aí, minha filhinha de dezessete anos, até então indiferente, acostumada àquelas cenas, começou a fazer coro com sua mãe, contra mim, é lógico, enquanto o meu filho caçula, então com onze aninhos, dava mais uma das suas gostosas gargalhadas, como sempre fazia quando não sabia o que estava acontecendo.
No final eu tive que calar, pois até o meu sogro acordou, ele que, naquele dia como em todos os outros, de festa ou velório, seu time ganhasse ou perdesse, fosse o que fosse, ou como fosse, roncava na rede, bêbado, logo após o almoço, e tendo acordando, mesmo não sabendo do que se tratava, começou a dizer que sua esposa tinha toda a razão e que “nenhum filho de Deus” conseguiria descansar com um barulho daqueles.
Peguei o boné e saí. Andei bastante e quando cansei, entrei no cinema, no shopping, onde dormi por duas sessões seguidas e fui acordado pelo lanterninha, que exigia que eu pagasse novo ingresso ou fosse “dormir num hotel”. Meu sogro tinha a razão; Nada pior do que ser acordado para a realidade da vida.
Hoje, meses depois, lá ia eu, àquela hora, levar o “Duque” a passeio (Duque era o nome que eu dei ao cachorrinho, fingindo não perceber que os outros membros da família o chamavam mesmo de Emílio).
Apesar do inconveniente de ter de levantar cedo, esta era a melhor hora, pois após as oito da manhã, os simples mortais levavam seus cães de estimação para o passeio, e eu sentia vergonha de ter um cachorro tão irritante e insignificante, que, não sei por quê cargas d’água, cismava de latir e avançar sobre os cães que tinham, no mínimo, umas dez vezes o seu tamanho e peso. Àquela hora, com pouquíssima gente na rua, eu me sentia mais à vontade para, inclusive, ensaiar uma “conversa” com o cachorro, que, a essa altura, já me considerava um amigo.
Eu estava até contando ao “Duque” os passeios que havíamos feito durante as férias (como sempre, prevalecera a vontade da família) “inesquecíveis” para minha mulher e meus filhos, e das quais eu me lembraria ainda por um bom tempo, até terminar de pagar o financiamento.
Contei da última noite que passei naquele hotel da Barra e da encrenca que arrumei quando, num gesto impensado, fui beijar a minha mulher...
Eu vinha da praia, com meus filhos, e, na recepção, vi minha esposa corrigindo o batom, olhando sua caixinha de maquiagem. Pensei em como aqueles últimos dias nos haviam aproximado, e como era bom passarmos uns dias em “território neutro”, em como ela parecia mais linda naquele vestido azul, que eu ainda não tinha visto.
Cheguei devagarinho, por traz e, como nos tempos de namoro, beijei o seu pescoço, logo abaixo da orelha. Aquilo sempre dera resultado, eu nem precisaria esperar muito...
...Ploft!, minha orelha ardeu com o tapa, e com os gritos!
Minha mulher acabava de sair do elevador, a tempo de ver-me beijar a sua “sósia”, que foi quem me deu o tapa, e achou que aquele tapa era só para disfarçar. Começou a gritar, me chamando de infiel, e outras palavras que não convém citar, buscou, num instante as “crianças”, arrumou as malas, fretou um bimotor para levá-la de volta “à casa da mamãe, pois com aquele cretino, nunca mais”, pagando essa viagem com nosso cartão de crédito.
Fiquei alí ainda por dois dias, tentando me acalmar e esperando que ela se acalmasse,. Depois, levei semanas a convencê-la a voltar para casa, (até prometí “passear com o Emilinho” nos os fins de semana), e ainda vou levar alguns meses para saldar as dívidas.
A sósia? Ah, meu amigo... Ela ficou com tanta dó de mim, que de vez em quando ainda me telefona...
(Papai que me perdoe!)
Velho Pescador - Julho/97
Desconcertado, ao ser encarado com a realidade, eu quis disfarçar e comentei, com a maior “cara-de-pau” que me foi possível que aquele cãozinho teria “a cara do meu sogro”, com aquele focinho chato e sempre úmido, aqueles olhinhos cheios de remela e aquele latidinho fino e irritante. Minha sogra caiu na gargalhada aprovando, mas minha esposa ditou as regras de como o “Emílio” seria tratado, o que e quando comeria, passeios, onde dormir, tipo de casinha que eu deveria comprar para ele, etc. etc. ...
Não dava para brigar, mas eu lancei o meu protesto mais veemente, o dedo em riste, subindo e descendo, na ponta do nariz da minha esposa. Ela que arrumasse outro nome para o cachorro, mas Emílio, nunca! Aquele era o nome do meu pai e eu nunca chamaria o cãozinho por aquele nome.
Gritamos a mais não poder. Ameacei cancelar as férias da família, o que só veio piorar as coisas, pois aí, minha filhinha de dezessete anos, até então indiferente, acostumada àquelas cenas, começou a fazer coro com sua mãe, contra mim, é lógico, enquanto o meu filho caçula, então com onze aninhos, dava mais uma das suas gostosas gargalhadas, como sempre fazia quando não sabia o que estava acontecendo.
No final eu tive que calar, pois até o meu sogro acordou, ele que, naquele dia como em todos os outros, de festa ou velório, seu time ganhasse ou perdesse, fosse o que fosse, ou como fosse, roncava na rede, bêbado, logo após o almoço, e tendo acordando, mesmo não sabendo do que se tratava, começou a dizer que sua esposa tinha toda a razão e que “nenhum filho de Deus” conseguiria descansar com um barulho daqueles.
Peguei o boné e saí. Andei bastante e quando cansei, entrei no cinema, no shopping, onde dormi por duas sessões seguidas e fui acordado pelo lanterninha, que exigia que eu pagasse novo ingresso ou fosse “dormir num hotel”. Meu sogro tinha a razão; Nada pior do que ser acordado para a realidade da vida.
Hoje, meses depois, lá ia eu, àquela hora, levar o “Duque” a passeio (Duque era o nome que eu dei ao cachorrinho, fingindo não perceber que os outros membros da família o chamavam mesmo de Emílio).
Apesar do inconveniente de ter de levantar cedo, esta era a melhor hora, pois após as oito da manhã, os simples mortais levavam seus cães de estimação para o passeio, e eu sentia vergonha de ter um cachorro tão irritante e insignificante, que, não sei por quê cargas d’água, cismava de latir e avançar sobre os cães que tinham, no mínimo, umas dez vezes o seu tamanho e peso. Àquela hora, com pouquíssima gente na rua, eu me sentia mais à vontade para, inclusive, ensaiar uma “conversa” com o cachorro, que, a essa altura, já me considerava um amigo.
Eu estava até contando ao “Duque” os passeios que havíamos feito durante as férias (como sempre, prevalecera a vontade da família) “inesquecíveis” para minha mulher e meus filhos, e das quais eu me lembraria ainda por um bom tempo, até terminar de pagar o financiamento.
Contei da última noite que passei naquele hotel da Barra e da encrenca que arrumei quando, num gesto impensado, fui beijar a minha mulher...
Eu vinha da praia, com meus filhos, e, na recepção, vi minha esposa corrigindo o batom, olhando sua caixinha de maquiagem. Pensei em como aqueles últimos dias nos haviam aproximado, e como era bom passarmos uns dias em “território neutro”, em como ela parecia mais linda naquele vestido azul, que eu ainda não tinha visto.
Cheguei devagarinho, por traz e, como nos tempos de namoro, beijei o seu pescoço, logo abaixo da orelha. Aquilo sempre dera resultado, eu nem precisaria esperar muito...
...Ploft!, minha orelha ardeu com o tapa, e com os gritos!
Minha mulher acabava de sair do elevador, a tempo de ver-me beijar a sua “sósia”, que foi quem me deu o tapa, e achou que aquele tapa era só para disfarçar. Começou a gritar, me chamando de infiel, e outras palavras que não convém citar, buscou, num instante as “crianças”, arrumou as malas, fretou um bimotor para levá-la de volta “à casa da mamãe, pois com aquele cretino, nunca mais”, pagando essa viagem com nosso cartão de crédito.
Fiquei alí ainda por dois dias, tentando me acalmar e esperando que ela se acalmasse,. Depois, levei semanas a convencê-la a voltar para casa, (até prometí “passear com o Emilinho” nos os fins de semana), e ainda vou levar alguns meses para saldar as dívidas.
A sósia? Ah, meu amigo... Ela ficou com tanta dó de mim, que de vez em quando ainda me telefona...
(Papai que me perdoe!)