quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

CARTA AO TEMPO

Caro Senhor Tempo,

Espero que esta o encontre passando bem, 
ou melhor, 
passando o mais devagar possível.

Por aqui vai-se indo
como o Senhor quer e consente,
meio rápido demais para o meu gosto.
Quando vi já era Dezembro.

Foi-se mais um ano.

E com ele foram-se: 

uma quantidade incalculável de amores, 
cores, idades, alguns amigos,
não sei quantos neurônios, 

memórias, remorsos,
desvarios, cabelos, ilusões, alegrias,
tristezas, várias certezas
(se não me engano, treze),
algumas verdades indiscutíveis.

Foi-se o meu gosto por vitrine.

Foi-se quase todo o meu vidro de perfume.
Foi-se meu costume 

de imaginar asneiras à noite.
Foi-se meu forte instinto
de acreditar no que me dizem.
Que pena.

Foi-se o tempo 

em que uma simples farra
não significava, necessariamente,
uma condenação sumária no dia subseqüente.

Foi-se a poupança e o troquinho da gaveta.

Foi-se aquele antigo projeto.
Foram-se exatamente nove virgula seis por cento
de todas as minhas esperanças.

Será que o Senhor não se cansa, seu Tempo?

Não pensa em tirar umas férias,
dar uma pausa, 

respirar um pouco?

Não lhe agrada a idéia de mudar o andamento?

Diminuir o ritmo?


Em vez de tic-tac,

inventar uma palavra mais comprida
para compasso, 
mantra, ícone, diagrama?

Me diga sinceramente:

pra que tanta pressa?

Anda difícil acompanhar seus passos ultimamente.

Não precisa dar meia-volta, eu não espero tanto.

Eternidade? Não. Só queria sua amizade.

Mas já foi o Dezembro e o Janeiro também,
e já vem o carnaval.

Foi-se mais um ano, e já está indo outro.

E o Senhor passou voando,
rebocou os meus momentos,
foi desbotando minhas lembranças.

Carregou mais doze meses, inteiros,

levando cada instante meu de carona.
Tentei voltar atrás em algumas decisões.
Já era tarde. 


Não deixei nada para amanhã.
Mesmo assim não fiz sequer

metade do que pretendia.

Imaginei várias maneiras de estancar os dias,

Segunda, Terça, Quarta, quando via já era Quinta.
Sexta... Sábado... Domingo... 

Pronto.

Pensei em fuga.

Será que existe algum lugar deste mundo
onde as horas não me encontrem?

Fiquei meses trancado em casa. 

Foi inútil.
Lá fora, o Senhor continua passando.
E já passou mais um pouquinho.

Calma, Tempo!

Espere só um minutinho
para eu explicar melhor meu ponto de vista.

Nem todo mundo é pedra,

concorda?

Dito isso, imagine então

quantos pobres mortais 

sofrem da mesma agonia diária:
giros e mais giros nos ponteiros, 

os cantos dos cucos,
as denúncias das sombras, 

os grãos de areia escorrendo...
Parece até hemorragia crônica!

Tudo escapulindo, descendo, subindo,

o frenesi dos dígitos,
um, dois, três, quatro, cinco, cem...

O Senhor vai tirar o pai da forca?

 

 Está fugindo de alguém?

De quem?


De mim?


De ontem?


Eu conheço de cor suas obrigações.

Estou convencido de suas utilidades.

Não fosse o Senhor,

não existiriam saudade, retrato, souvenir,
antigüidade, história, época, período, calendário,
outrora, passatempo, novidade, creme anti-rugas...

Não fosse o Senhor,

não existiriam disputa por pênaltis,
ante­passado, descendente, dia, noite, nada,
não existiria sabedoria, eu sei disso.
Não tome como queixas minhas palavras,
por favor, não tome.

Aqui vai apenas uma súplica.

Ah, se o Senhor fosse mais indulgente,
mais piedoso, mais pensativo, menos estressado,
mais manso, menos rigoroso, um bon-vivant...

E se distraísse aí pelo caminho,

e se deixasse apreciar as paisagens,
e sofresse um devaneio, e ficasse de bobeira,
esquecido das horas, divagando.

Escute aqui, seu Tempo,

que tal deixar passar o resto
e parar quieto um pouquinho?

Adriana Falcão
 

Extraído 
Imagem Clip-art

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