Uma das historias da Penha-SP
Início dos anos 60.
A Rua Mirandinha, da metade para o fim, tinha dois botecos: A vendinha do “Seu Zé” e o boteco do Marino, a uns trezentos metros de distância, e aí, entre um e outro, circulava o Bentinho, sujeito simpático, inchado e abandonado .
Creio que ele mesmo se abandonou, devido à cachaça... O inchaço também se devia à própria.
Ele não falava muito do seu passado, a não ser que fora soldado do Corpo de Bombeiros.
Casado? Filhos? Ninguém sabe.
O que o pessoal sabia a seu respeito é que ele vivia em uma casa abandonada, à beira do córrego do Rincão, junto à ponte, e isso por vários anos. Algumas famílias lhe davam um prato de comida, ou um pão, que ele agradecia com uma palavra humilde.
O mesmo trajeto, várias vezes a cada dia, pedindo uma cachaça em um bar e no outro.
Nas primeiras do dia, tinha que segurar o copo com ambas as mãos, de tanto que tremia. Se o proprietário não lhe desse, alguém pagaria uma, pois muitos gostavam dele, com seu jeito bonachão, de menino grande. Quando não, ele chegava à vendinha com um copo de dose, que surrupiara do outro boteco, e o trocava por outra pinga. Ficava por ali uns momentos, e lá se ia, com outro copo no bolso, desta vez surrupiado da vendinha, e o trocava por outra cachaça no barzinho lá de baixo. Isso prosseguia dia após dia.
Os comerciantes achavam que estavam fazendo bom negócio, trocando um copo por uma pinga? Se assim fosse, lhes faltava observação, pois seu “estoque” de copos nunca aumentava, apesar de receber cerca de 5, 6, 10 copos ao dia. Era uma soma sem adição, quase um “milagre”, podemos dizer, pois, ao somar um, sem se dar conta, subtraía-se outro, e a quantidade permanecia estável, e por vezes, diminuía.
Eu, que trabalhei na vendinha durante vários meses, achava interessante aquela atitude, mas, quem era eu para comentar? Apenas um garoto, de dez ou onze anos.
Num inverno, noite muito fria... Temperatura bem abaixo de 0ºC.
Todos se recolheram mais cedo, e, no dia seguinte, a notícia...
O corpo do Bentinho foi encontrado, gelado, deitado próximo aos restos de uma pequena fogueira..
Muito pequena.
O fogo se apagou.
O Bentinho ficou apenas na lembrança...
Acabou a negociação de um copo por uma pinga,
Não se via mais a figura do Bentinho, subindo e descendo a ladeira, com seu sorriso amigo cumprimentando a todos, paletó surrado, chinelos protegendo uns pés inchados.
Morreu de frio, o coitado...
Algumas vezes fiquei pensando:
No bolso do defunto, talvez houvesse um copo, preparado para o “desjejum”...