Recebi por e-mail, novamente, e aproveito para compartilhar aqui, este discurso, que Mario Moreno, o Cantinflas,
comediante mexicano, no filme Sua Excelência, de 1967, pronuncia na Assembléia
da ONU no papel de Embaixador de um país fictício, contém uma lição bem atual,
apesar de ter sido pronunciado há mais de 40 anos.
'Senhores:
Coube-me, por sorte, ser o
último orador, e isso muito me agrada, pois
assim os pego cansados, não obstante, saber que, apesar da insignificância do
meu país, que não tem poderio militar, político, ou econômico, e muito menos
atômico, todos aguardam com grande interesse as minhas palavras, já que do meu
voto depende o triunfo dos Verdes ou dos Vermelhos.
Senhores Representantes:
Estamos passando por um momento crucial em que a humanidade se enfrenta ante essa mesma humanidade.
Estamos passando por um momento crucial em que a humanidade se enfrenta ante essa mesma humanidade.
Estamos vivendo um momento
histórico em que o homem, científica e intelectualmente, é um gigante, mas
moralmente é um pigmeu.
A opinião mundial está tão
profundamente dividida em dois grupos aparentemente irreconciliáveis, que
ocorre o caso de que um só voto, o voto de um país fraco e pequeno, pode fazer com
que a balança penda para um ou para o outro lado.
Estamos, assim, numa grande
gangorra, com um lado ocupado pelos Verdes e o outro lado ocupado pelos
Vermelhos.
Agora chego eu, que sou
peso-pluma, e do lado que me colocar, para lá penderá a balança!
Façam-me o
favor!
Os Senhores não crêem que é
muita responsabilidade para um só cidadão?
E porque também não considero
justo que a metade da humanidade - seja qual for ela - venha a ser condenada a
viver sob um regime político e econômico que não é de seu agrado, somente
porque um frívolo embaixador votou - ou que o tenham feito votar - num sentido
ou no outro, e é por isso que não votarei em nenhuma das duas teses. E isso,
por três razões:
Primeira, porque – repito - não seria justo que um só voto de um só
representante – que poderia neste momento estar doente do fígado – venha a
decidir os destinos de cem nações.
Segunda, porque estou
convencido de que os procedimentos - repito e sublinho: os procedimentos dos
Vermelhos (os países comunistas) são desastrosos.
E a terceira, porque estou
convencido de que os procedimentos dos Verdes (os Estados Unidos da América)
tampouco são os mais bondosos que se possa ter.
(Se não se calarem
imediatamente, não sigo com o discurso e os Senhores ficarão com a curiosidade
de saber o que eu tinha para lhes dizer!)
Insisto que falo de
procedimentos e não de idéias e nem de doutrinas. Para mim todas as idéias são
respeitáveis, ainda que sejam pequenas ou grandes, e mesmo que eu não esteja de
acordo com elas.
O que pensa esse Senhor, ou
esse outro Senhor, ou aquele Senhor (esse de bigodinho que já não pensa nada
porque já está dormindo), nada disso impede que sejamos, todos nós, bons amigos.
Todos cremos que nossa maneira
de ser, nossa maneira de viver, nossa maneira de pensar e até o nosso modo de
andar são os melhores; e tratamos de impor tal modelo aos demais e, se não os
aceitam, dizemos que 'são isso ou são aquilo' e, imediatamente, entramos em
desinteligências.
Os senhores acham que isso está
correto?
Tão fácil seria a vida se ao
menos respeitássemos o modo de viver de cada um.
Faz cem anos que disse uma das
figuras mais humildes, mas mais importantes do nosso continente:
“O respeito ao direito alheio é
a paz”.
É disso que eu gosto!
Não peço que me aplaudam, mas que
reconheçam a sinceridade das minhas palavras.
Estou de acordo com tudo o que
disse o Senhor Representante da Salsichônia: (Alemanha?)
Com humildade de pedreiros
independentes devemos lutar para derrubar as barreiras que nos separam:
A barreira da incompreensão, a
barreira da mútua desconfiança, e a barreira do ódio.
No dia em que conseguirmos isso,
poderemos dizer que voamos por cima de todas as barreiras; não, porém, da
barreira das idéias...
Isso não! Nunca!
No dia em que pensarmos iguais,
atuarmos iguais, deixaremos de ser homens para converter-nos em máquinas, em
autômatos...
Esse é o grave erro dos
Vermelhos: querer impor pela força suas idéias e seu sistema político e
econômico.
Falam de liberdade, igualdade,
mas eu lhes pergunto: existe essa liberdade e igualdade em seus próprios
países?
Dizem defender os direitos do proletariado,
mas seus próprios trabalhadores nem sequer possuem o direito fundamental à
greve.
Falam da cultura universal ao
alcance das massas, mas encarceraram os seus escritores porque eles se atrevem
a dizer a verdade.
Falam da livre determinação dos
povos e, no entanto, há cem anos oprimem uma série de nações sem permitir-lhes
que se dêem uma forma de governo que mais lhes convenham.
Como podemos votar por um
sistema que fala de dignidade e, ato contínuo, atropela o mais sagrado da
dignidade humana, que é a liberdade de consciência, eliminando ou pretendendo
eliminar a Deus por decreto?
Não, senhores representantes,
eu não posso estar com os Vermelhos ou, melhor dizendo, com sua maneira de
atuar.
Respeito seu modo de pensar,
mas não posso dar meu voto para que seu sistema se implante pela força em todos
os países da Terra.
Aquele que quiser ser Vermelho
que o seja, mas que não pretenda tingir os demais
Um momento, jovens!
Senhores! Por que
tão sensíveis? Os senhores estão impacientes? Eu ainda não terminei. Voltem aos
seus lugares.
Sei que estão acostumados a abandonar
essas reuniões quando ouvem algo que não é de seu agrado; mas não terminei.
Voltem aos seus lugares, não sejam
precipitados. Ainda tenho que dizer algo sobre os Verdes; os senhores não gostariam
de ouvir?
Sentem-se já, por favor!
Agora, meus queridos colegas Verdes.
O que disseram os Senhores? Já votou por nós?
Não?
Pois não, jovens.
Não votarei por vocês, porque vocês
também têm muita culpa por tudo que acontece no mundo.
Porque são soberbos, como se o mundo
fosse só de vocês e que os demais tivessem uma importância apenas relativa, e, ainda
que falem de paz, de democracia e de coisas muito bonitas, às vezes também
pretendem impor sua vontade pela força e pela força do dinheiro.
Estou de acordo que devamos lutar
pelo bem coletivo e individual; que devamos combater a miséria; que devamos
resolver os tremendos problemas de habitação, do vestir e do sustento, mas não
estou de acordo é com a forma que vocês pretendem resolver esses problemas.
Vocês também sucumbiram ante o
materialismo, esqueceram os mais belos valores do espírito. Pensando somente
nos negócios, pouco a pouco foram se convertendo nos credores da humanidade e,
por isso, a humanidade os vê com desconfiança.
No dia da inauguração desta
Assembléia, o Senhor Embaixador da 'Ladrônia' disse que o remédio para todos os
nossos males estava em ter automóveis, refrigeradores, televisores, e eu me
pergunto:
Para que queremos automóveis se ainda
andamos descalços?
Para que queremos refrigeradores se
não temos alimentos para colocar neles?
Para que queremos tanques e
armamentos se não temos escolas para nossos filhos?
Devemos lutar para que o homem pense
na paz, mas não somente impulsionado pelo seu instinto de conservação, se não,
e fundamentalmente, pelo dever que tem de superar-se e de fazer do mundo um
local de paz e tranquilidade, cada vez mais digno da espécie humana e de seus
altos destinos, mas essa aspiração não será possível se não houver abundância
para todos; bem-estar comum, felicidade coletiva e justiça social.
É verdade que está em suas mãos - dos
países poderosos da terra, Verdes e Vermelhos -, o ajudar a nós, os fracos, mas
não com presentes, nem com empréstimos, nem com alianças militares.
Ajudem-nos pagando preços mais
justos, equitativos por nossas matérias-primas;
Ajudem-nos dividindo conosco seus
notáveis avanços na ciência, na tecnologia, não para fabricar bombas, mas para
acabar com a fome e com a miséria.
Ajudem-nos, respeitando nossos
costumes, nossas crenças, nossa dignidade como seres humanos e nossa
personalidade como nações, por pequenos e frágeis que sejamos.
Pratiquem a tolerância e a verdadeira
fraternidade, e nós saberemos corresponder-lhes, mas deixem, imediatamente, de
tratar-nos como simples peões no tabuleiro de xadrez da política internacional.
Reconheçam-nos como o que somos. Não
somente como clientes ou como ratos de laboratório, mas como seres humanos que
sentem, sofrem e choram.
Senhores representantes. Existe outra
razão a mais por que não posso dar meu voto:
Fazem, exatamente, vinte e quatro
horas que apresentei minha renúncia como Embaixador do meu país.
Espero que seja aceita, e, consequentemente,
não lhes falei como Excelência, mas como um simples cidadão, como um homem livre;
como um homem qualquer; mas que, não obstante, crê interpretar ao máximo as
aspirações de todos os homens da Terra; as aspirações e os desejos de viver em
paz; o desejo de sermos livres; o desejo de entregar aos nossos filhos e aos
filhos de nossos filhos um mundo melhor; em que reine a boa vontade e a
concórdia.
E que fácil seria, senhores, alcançar
esse mundo melhor em que todos os homens, brancos, negros, amarelos e pardos,
ricos e pobres pudessem viver como irmãos.
Se não fôssemos tão cegos, tão obcecados,
tão orgulhosos.
Se apenas orientássemos nossas vidas
pelas sublimes palavras que, faz dois mil anos, disse aquele humilde
carpinteiro da Galiléia, simples, humilde, sem fraque nem condecorações:
“Amai-vos, amai-vos uns aos outros!”;
Lamentavelmente, porém, vocês
entenderam mal, confundiram os termos. E o que fizeram? E o que fazem?
“Armam-se uns contra os outros!”
Tenho dito!'